A advocacia goiana atravessa um dos momentos mais delicados de sua história. As eleições on-line da OAB/GO, realizadas sob o discurso de modernidade, expuseram um ponto sensível: o risco de quebra do sigilo do voto.

A Constituição assegura voto livre e secreto. O próprio Tribunal Superior Eleitoral, em nota técnica de 2014, foi categórico: não há como garantir o mesmo padrão de sigilo em votações pela internet, razão pela qual o modelo não é adotado em eleições oficiais no Brasil.

Mesmo assim, a OAB aprovou o Provimento 222/2023, abrindo caminho para o pleito remoto. No papel, bastaria que o sistema fosse “idôneo e auditável”. Na prática, surgem perguntas que ainda não foram respondidas: auditável por quem? quando? com quais garantias e trilhas de auditoria?

A batalha nos tribunais

O advogado Java Lacerda ajuizou produção antecipada de provas para exigir perícia independente no sistema eleitoral da Ordem: linguagens utilizadas, arquitetura, logs, trilhas de auditoria, criptografia e correspondência entre código-fonte e binário. Fundamento: o CPC permite antecipar prova para evitar o perecimento de dados digitais, voláteis por natureza.

A primeira decisão extinguiu o processo por “perda do objeto” — e negou justiça gratuita. Lacerda recorreu. Na apelação, invocou o Tema 1.178 do STJ, que veda o indeferimento automático da gratuidade com base em presunções genéricas e exige motivação concreta. Destacou ainda que a prova é útil justamente após o pleito, quando o risco de desaparecimento é maior.

Nos autos, o juiz declarou-se suspeito. Em paralelo, tramita no TRF1 o Agravo de Instrumento nº 1039366-24.2024.4.01.0000, conectado ao mesmo debate. A defesa pediu a reunião dos feitos para evitar decisões conflitantes.

“O silêncio que corrói”

Advogados em Goiás permanecem calados. Não por concordarem, mas por temerem represálias. Relatos apontam práticas de perseguição interna, troca de favores e retaliações.

Lacerda relembra um episódio pessoal: ao levar o filho de 8 anos a uma UPA em Ceres, tornou-se alvo de uma prisão política. Foi lançado em cela comum, sem respeito às prerrogativas. O presidente da subseção era advogado dos seus algozes, e a presidente de prerrogativas local teria pedido sua algemação. O caso virou símbolo de um ambiente marcado por medo e silêncio.

Da cela ao tribunal: a capoeira como denúncia

Em sessão no TJGO, ao denunciar o corporativismo, Lacerda gingou capoeira diante dos desembargadores. O gesto viralizou e se converteu em símbolo de oposição: “Ali não se proclamava um candidato, mas nascia um símbolo da oposição. Não porque eu desejei, mas porque a perseguição me empurrou para esse lugar”.

Além do processo, uma narrativa em construção

A trajetória reúne elementos pouco usuais na política de classe: resistência cultural (capoeira), organização (rede de abrigo a perseguidos), irreverência crítica (expor abusos de forma criativa) e visão tecnológica (auditoria de sistemas). Conjunto que desafia o modelo de poder atual da OAB.

Conclusão editorial

Enquanto o TSE reafirma que o voto on-line não assegura sigilo constitucional, cabe à OAB demonstrar — com provas técnicas auditáveis — que sua eleição é mais do que promessa de edital. Até lá, a advocacia goiana seguirá sob contestação: o “voto secreto” virou voto de vidro.

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