Goiânia, novembro de 2025 — Na tela do celular, a mensagem chega seca, em poucas linhas. Do outro lado, alguém garante que a decisão “já está bem encaminhada”. Minutos depois, o dinheiro começa a rodar. Extratos bancários mostram saques em espécie, compras de gado em série e depósitos fracionados em valores elevados. Para investigadores federais, esse é o roteiro típico de um balcão de negócios que, em vez de funcionar na beira da estrada, se instalou dentro de tribunais estaduais.

As operações 18 Minutos e Última Ratio, deflagradas pela Polícia Federal para apurar a venda de decisões judiciais no Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) e no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), são hoje o centro de uma crise que atinge o topo do Judiciário brasileiro. A reação mais recente veio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que abriu processos administrativos disciplinares contra seis desembargadores e dois juízes, todos já afastados de suas funções por determinação do Superior Tribunal de Justiça.

Uma história que começa com um ex-funcionário do Banco do Nordeste

A narrativa que assombra o TJ do Maranhão tem um protagonista improvável: um ex-funcionário do Banco do Nordeste, que passou décadas cobrando na Justiça uma antiga dívida de honorários da instituição. Segundo decisões do STJ e relatórios da Polícia Federal, o caso mudou de patamar em 2015, quando, por meio de manobras processuais consideradas irregulares pelos investigadores, ele conseguiu a liberação de aproximadamente R$ 14,2 milhões em um processo que vinha se arrastando desde os anos 1980.

O que chamou a atenção dos investigadores não foi apenas o valor liberado, mas a velocidade com que o dinheiro sumiu dos cofres do banco. O nome da operação resume o espanto: em cerca de 18 minutos, entre a expedição de decisões judiciais e a liberação dos alvarás, o dinheiro era sacado em espécie, em sequência, em agências diferentes. Ao seguir o rastro desses saques, a Polícia Federal encontrou depósitos fracionados e movimentações em benefício de magistrados e pessoas próximas a eles.

De acordo com o relatório final da operação, enviado ao STJ, 23 pessoas foram indiciadas, incluindo desembargadores, juízes, advogados e servidores. A investigação descreve um esquema em que decisões eram direcionadas para beneficiar grupos específicos, com prejuízo direto ao Banco do Nordeste, instituição cujo controle acionário é majoritariamente da União. O dinheiro que deveria ficar no sistema financeiro para financiar desenvolvimento regional virou combustível de um sistema de propinas sofisticado.

WhatsApp, extratos e malas de dinheiro

As peças dessa história não se encaixam apenas em gabinetes luxuosos. Elas aparecem em conversas de aplicativos, planilhas informais, bilhetes manuscritos e fotos de dinheiro em espécie. Quebras de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático autorizadas pelo STJ revelaram, segundo o CNJ, uma atuação coordenada de magistrados e intermediários para apropriação de valores que somam, conforme os relatórios, mais de R$ 17 milhões.

Em algumas mensagens, intermediários combinavam estratégias para acelerar decisões, monitoravam despachos em tempo real e avisavam quando os alvarás eram expedidos. Na sequência, vinham os saques em espécie — muitas vezes em valores fracionados, abaixo dos limites que acendem automaticamente os alertas do sistema financeiro. Em outras frentes, a PF apreendeu malas com dinheiro vivo, reforçando a imagem de um Judiciário em que parte da toga teria sido convertida em mercadoria.

Do boi ao banco: o capítulo dos bois em Mato Grosso do Sul

Se no Maranhão a história gira em torno de um ex-funcionário do banco e da corrida por alvarás milionários, em Mato Grosso do Sul o enredo passa por fazendas, leilões e rebanhos inteiros. No âmbito da Operação Última Ratio, que apura a venda de sentenças no TJMS, o CNJ aponta indícios de que operações de compra e venda de gado teriam sido usadas para mascarar o pagamento de vantagens indevidas.

Relatórios da Polícia Federal e da Corregedoria Nacional de Justiça descrevem movimentações financeiras atípicas envolvendo magistrados e seus familiares. Em um dos episódios citados publicamente, a filha de um desembargador teria recebido quase R$ 1 milhão para intermediar a liberação de um alvará judicial, em contexto que hoje é tratado como suspeita de propina disfarçada.

Nas planilhas que acompanham as investigações, bois aparecem como ativos, mas, na prática, funcionariam como moeda de troca para decisões favoráveis em ações de grande impacto econômico. A combinação de operações rurais complexas com decisões judiciais sigilosas forma o que investigadores chamam de “engenharia da propina” — um sistema pensado para dificultar o rastreamento de dinheiro sujo.

Oito magistrados na linha de fogo do CNJ

Diante desse quadro, o CNJ decidiu abrir Processos Administrativos Disciplinares contra quatro desembargadores e dois juízes do Maranhão, além de dois desembargadores de Mato Grosso do Sul. As acusações vão de corrupção à participação em organização criminosa voltada para a venda de sentenças. Todos negam irregularidades e afirmam que suas decisões seguiram critérios estritamente técnicos.

Na prática, os processos podem levar a duas saídas extremas. De um lado, a já conhecida “aposentadoria compulsória”, em que o magistrado é punido, mas continua recebendo parte do salário até o limite da idade. De outro, a perda definitiva do cargo, cenário mais duro e ainda pouco comum na história recente do Judiciário brasileiro.

Ao abrir os PADs, o CNJ manteve o afastamento dos investigados e enviou um recado direto para os tribunais estaduais: o órgão está disposto a aprofundar o escrutínio sobre a venda de decisões judiciais, em sintonia com outras operações que já atingiram cortes importantes, como a Operação Faroeste, na Bahia, que investiga grilagem de terras e corrupção no Tribunal de Justiça local.

Por que essa história importa para quem está longe dos tribunais

À primeira vista, a história de desembargadores, alvarás milionários e fazendas cheias de gado pode parecer distante da vida de quem luta para pagar as contas no fim do mês. Mas o impacto desse tipo de esquema é direto sobre o cidadão comum. Quando decisões são compradas, perde-se a confiança na Justiça como último recurso para conter abusos de bancos, grandes empresas e do próprio Estado.

Se uma sentença pode ser negociada em conversas de aplicativo, o trabalhador que briga por um direito previdenciário, a família que busca uma indenização ou o empresário honesto que disputa um contrato público passam a se perguntar se a Justiça está funcionando ou se alguém, com mais dinheiro e acesso, decidiu o jogo antes mesmo do apito inicial.

A sensação de impunidade aumenta quando a punição máxima, na prática, se resume a uma aposentadoria antecipada com renda garantida. Por isso, o desfecho dos processos em curso no CNJ será acompanhado de perto por entidades de classe, movimentos de combate à corrupção e pela sociedade civil organizada.

Tem história para contar?

Casos como 18 Minutos e Última Ratio mostram que, quando cidadãos e advogados rompem o silêncio, documentos são analisados, mensagens são periciadas e esquemas começam a ruir. Foi assim que operações de venda de sentenças saíram dos bastidores e chegaram ao horário nobre.

E você? Se foi vítima de uma decisão suspeita, se sofreu perseguição institucional ou se tem elementos que apontam para abusos de autoridade, não precisa enfrentar tudo isso sozinho.

A Liga Pela Justiça é uma iniciativa independente que reúne advogados e apoiadores dispostos a ouvir histórias, orientar juridicamente e ajudar a transformar denúncias em ações concretas.

Conte sua história, com segurança. Sua identidade pode ser preservada, e cada relato sério contribui para desmontar o mito de que ninguém consegue enfrentar esquemas de poder dentro do sistema de Justiça.

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