CERES, GO — Uma disputa processual que começou como uma Exceção de Suspeição contra os promotores Pedro Furtado Schmitt Corrêa e Bárbara Olavia Scarpelli (esta última, até o momento, sem manifestação nos autos) ganhou contornos de caso-teste sobre prerrogativas da advocacia, postulação em causa própria e a aplicação prática da Lei de Abuso de Autoridade. De um lado, o advogado e jornalista Java Lacerda sustenta que é alvo de lawfare — uma “campanha de aniquilamento” — e aponta uma série de violações desde a sua prisão em flagrante na UPA de Ceres, episódio no qual afirma ter defendido o atendimento prioritário a uma criança. Do outro, o Ministério Público de Goiás (MP-GO), por meio de manifestação do promotor Pedro Furtado Schmitt Corrêa, diz que a exceção é genérica, sem lastro fático, e tenta deslegitimar a atuação ministerial. Em despacho, o juiz Leonisson Antônio Estrela Silva determinou a oitiva dos promotores e oficiou a OAB local para indicar advogado dativo; a defesa contesta, afirmando não ter perdido a capacidade de atuar em causa própria.

O que diz a defesa

Na Exceção de Suspeição e no Aditamento, protocolados em 13 e 18 de agosto de 2025, respectivamente, Lacerda elenca fundamentos para o afastamento dos promotores:

  • Padrão de perseguição (lawfare): série histórica de procedimentos penais “fabricados” contra si, com objetivo de desgastar e intimidar.
  • Proteção a agentes estatais: arquivamentos seletivos de investigações sobre tortura, abuso de autoridade e falso testemunho.
  • Retaliação a denunciantes: suposta transformação de vítimas em rés, inclusive no “Caso Carlitos”.
  • Violação de prerrogativas: desde a prisão, incluindo ausência de representante da OAB no flagrante, recolhimento em cela comum, apreensão de equipamentos e impedimentos para registrar fatos.

“Quando a violação de prerrogativas passa impune, a lei vira enfeite. Transformaram o processo em pantomima para validar uma prisão ilegal”, afirma trecho do aditamento assinado por Lacerda.

A defesa pede o afastamento dos promotores por suspeição, a nulidade dos atos praticados, a remessa à Corregedoria do MP e ao CNMP, e requer a conversão do julgamento em diligências para juntar outros processos que, segundo sustenta, evidenciariam um padrão persecutório.

O que diz o Ministério Público (até o momento)

Na manifestação juntada aos autos, o promotor Pedro Furtado Schmitt Corrêa rebate os pontos da defesa e:

  • classifica as alegações como “ilações” e “conjecturas” destituídas de prova;
  • ressalta a independência funcional como pilar da atuação ministerial;
  • requer o indeferimento liminar da exceção por ausência de base fática e jurídica;
  • aponta suposta desídia do excipiente quanto às alegações finais, justificando medidas para resguardar o andamento do feito.

O despacho do juízo

  • Determinou que os promotores se manifestem sobre a suspeição.
  • Oficiou a OAB da subseção local para indicar advogado dativo “com urgência”.

A defesa pediu reconsideração, sustentando que atua em causa própria e que eventual dativo, se mantido, deve ter função supletiva (de reserva), sem restringir sua autodefesa técnica.

Entenda o caso: a lei e o debate

  • Lei de Abuso de Autoridade (2019): tipifica como crime condutas que violam prerrogativas de advogados, como acesso a autos, comunicação com clientes e restrições indevidas.
  • Lei que não pega? Ao descrever possíveis violações que, em tese, configurariam crime, a defesa levanta o debate sobre a eficácia prática da lei, especialmente diante de tensões entre polícia, MP, Judiciário e advocacia.
  • Dativo substitui advogado em causa própria? Não é a regra. A nomeação de dativo é medida excepcional para assegurar a ampla defesa quando o juiz identifica risco concreto de insuficiência defensiva. Em tese, não “desabilita” o advogado que já atua por conta própria.

Por que este caso importa

  • Prerrogativas sob prova real: o caso expõe como garantias profissionais funcionam na prática, fora dos manuais.
  • Aplicação da lei: a pergunta pública é se a Lei de Abuso de Autoridade e o crime de violação de prerrogativas estão sendo efetivamente aplicados.
  • Confiança institucional: transparência e controle externo são essenciais quando acusações e contra-acusações se multiplicam.

Próximos passos

  • Decisão sobre a suspeição: a defesa aguarda a manifestação da promotora Bárbara Olavia Scarpelli para que o juízo decida o incidente.
  • Defesa técnica: o magistrado pode rever a necessidade do dativo, mantendo-o como reserva ou revogando a nomeação, caso a defesa comprove atuação diligente em causa própria.

Direito de resposta e transparência

  • MP-GO, OAB/GO (Seccional e Subseção de Ceres), Hospital/UPA de Ceres e Polícias Militar e Civil foram convidados a se manifestar.
  • Esta matéria foi elaborada com base em peças processuais públicas do Processo nº 5395552-20.2021.8.09.0049 e documentos correlatos citados pela defesa.

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